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Tornando a busca por pessoas desaparecidas mais acessível

SCROLL

Uma aplicação social para apoiar famílias e cuidadores na procura de pessoas desaparecidas

Imagina não saber do paradeiro de um amigo ou familiar há dias ou até mesmo meses, seja um filho, um pai ou uma avó. Para que alguém seja oficialmente considerado desaparecido, é necessário apresentar uma declaração verbal ou escrita às autoridades, formalizando o registo da ocorrência. Então fazes a denúncia, mas rapidamente percebes que a única ferramenta oficial disponível para divulgação de casos é uma secção no site da Polícia Judiciária, um espaço pouco acessível, pensado sobretudo para uso interno das autoridades e sem garantias de atualização frequente.
Então recorres à alternativa que tens, publicar um pedido de ajuda num grupo de Facebook e esperar que alguém veja. Em plena angústia, és confrontado com a falta de clareza, empatia e eficácia dos recursos disponíveis.
Em Portugal, estima-se que entre 3 a 4 mil pessoas desaparecem todos os anos, incluindo crianças, jovens, adultos e idosos. No entanto, não existe uma base de dados única e atualizada que reúna os casos da PSP, GNR e Polícia Judiciária, o que dificulta saber ao certo quantas ocorrências estão ativas. Essa ausência de integração é um desafio institucional que torna o trabalho das autoridades mais complexo e a resposta oficial mais lenta.

Para além disso, também não há uma plataforma pública simples e acessível que permita às famílias divulgar desaparecimentos ou acompanhar atualizações em tempo real, o que obriga muitos a recorrer a redes sociais ou a cartazes físicos afixados em farmácias e juntas de freguesia, especialmente quando a pessoa desaparecida é um idoso com demência ou dificuldades cognitivas. E mesmo quem cuida, seja da família ou não, pode ter limitações, como mobilidade reduzida, problemas de visão ou pouca familiaridade com tecnologia, o que torna tudo ainda mais difícil.
Foi ao perceber melhor esta realidade que compreendi a necessidade de projetar uma solução social dedicada a pessoas desaparecidas, que seja intuitiva, acessível e centrada nas famílias e cuidadores, facilitando a partilha de informação, acelerando a mobilização da comunidade e respeitando a dor e a dignidade de todos os envolvidos.

Desafio

Como criar uma solução digital inclusiva, empática e funcional que apoie familiares e cuidadores na procura de pessoas desaparecidas, considerando as necessidades de quem tem limitações tecnológicas, emocionais ou cognitivas?

Escuta inicial

Para compreender melhor a experiência, as dores e as necessidades de quem já enfrentou o desaparecimento de alguém querido, conversei com algumas pessoas de um grupo de desaparecidos no Facebook e realizei uma escuta exploratória através de um formulário online. Principais descobertas:

 

  • Redes sociais e cartazes físicos ainda são os meios mais usados.
  • Os participantes desconhecem plataformas digitais dedicadas ao tema.
  • Sentem-se impotentes, preocupados e sozinhos por não saberem onde procurar ajuda ou como agir.
  • Baixo alcance digital e zonas com baixa circulação de informação limitam a divulgação dos casos.
  • Preocupações com privacidade e segurança dos dados.
  • Forte desejo por uma plataforma intuitiva e inclusiva para idosos e pessoas que percebem pouco de tecnologia.
  • Consideram essencial partilhar dados como: foto atualizada, localização, horário da última aparição, contacto direto.


    Este conjunto de respostas revelou a ausência de uma solução digital confiável e centralizada, os desafios da acessibilidade e o receio de exposição online.

    Em Portugal, segundo a Anacom, apenas 29,9% da população possui literacia digital acima do nível básico. Somando-se as pessoas com níveis abaixo do básico e aquelas que não utilizam a Internet, mais de 40% da população apresenta baixo nível de literacia digital. Esta realidade evidencia a necessidade de uma solução que, para além de responder às necessidades dos utilizadores, seja extremamente simples e intuitiva.
    Além disso, em 2021 existiam 2.424.122 idosos com mais de 65 anos em Portugal, e cerca de 60% das pessoas entre os 55 e os 65 anos já apresentavam sinais de perda auditiva, percentagem que chega a aproximadamente 50% da população com mais de 70 anos.
    Quanto à visão, estima-se que 160 mil pessoas tenham algum tipo de deficiência visual, incluindo cegueira e baixa visão.

    Juntando estes dados quantitativos e insights, foi possível construir personas detalhadas e definir de forma fundamentada as funcionalidades da aplicação, garantindo que ela seja inclusiva e acessível a todos.

Personas

Solução proposta

Criar uma aplicação mobile-first que, desde a concepção, integre os princípios de acessibilidade definidos pela Lei das Acessibilidades Digitais (Decreto-Lei n.º 82/2022) e pelas Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG). A aplicação deverá oferecer navegação simplificada, recursos assistivos como aumento de letra, leitura em voz alta, alto contraste e modo daltónico, e linguagem empática, permitindo que pessoas com limitações sensoriais, cognitivas ou de mobilidade participem plenamente na procura de pessoas desaparecidas.

 

Funcionalidades-chave:

 

  • Tutorial para ajudar a utilizar a aplicação de forma simples e rápida;
  • Tradutora virtual em língua gestual portuguesa;
  • Recursos assistivos: aumento de letra, leitura em voz alta, contraste de cores, modo daltónico e, na secção de acessibilidade, ser possível ativar a compatibilidade com leitores de ecrã;
  • Notificar um desaparecimento rapidamente, com campos essenciais e interface acessível;
  • Busca por nome, idade ou localização;
  • Filtro por tipo, localização, data do desaparecimento, sexo e estado;
  • Contacto direto com familiares ou responsáveis,
  • Cartaz digital acessível e com alto contraste, pode ser impresso e contém um QR que liga ao perfil da pessoa desaparecida;
  • Permitir que a comunidade participe com partilhas e atualizações.



Acessibilidade

Quando falamos de acessibilidade, falamos de empatia e inclusão. A acessibilidade não se resume a tornar um produto utilizável por pessoas com limitações, mas sim a garantir que todas as pessoas possam usar e beneficiar da tecnologia de forma eficiente, autónoma e sem barreiras.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1 mil milhão de pessoas em todo o mundo vivem com algum tipo de limitação, o que representa cerca de 16% da população global.
Em Portugal, cerca de 1,09 milhão de pessoas (cerca de 11% da população residente, acima dos 5 anos) tinham pelo menos uma incapacidade em 2021, segundo os Censos.
Todos esses dados e a importância da inclusão foi visto como indispensável desde o começo para a criação do SOS desaparecidos, portanto desde a ideação até a conclusão, todas as funcionalidades e boas práticas foram orientadas por Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG), que fundamenta a construção de conteúdos digitais com qualidade e acessíveis a qualquer pessoa independentemente de sua limitação.

Fontes tipográficas

A fonte padrão escolhida foi a Nunito, disponível gratuitamente no Google Fonts. Para além de agradar esteticamente, esta fonte cumpre critérios fundamentais de acessibilidade e legibilidade, sendo especialmente adequada para interfaces digitais.

 

Fonte sem serifa: no contexto digital, as fontes sem serifa são geralmente mais acessíveis, pois apresentam traços limpos e regulares, facilitando a leitura em ecrãs e garantindo uma melhor distinção entre os caracteres.


Caracteres distintos e legíveis: a Nunito foi desenhada com formas equilibradas e espaçamento generoso, o que evita ambiguidades visuais entre caracteres como a letra “I” (i maiúsculo) e a consoante “l”, ou entre a letra “O” e o número “0”. Esta clareza tipográfica contribui para uma leitura mais confortável, especialmente para pessoas com dislexia, baixa visão ou para quem lê textos extensos em ambiente digital.

Tamanho das fontes: A pensar na acessibilidade e legibilidade, defini tamanhos de letra que garantem uma leitura confortável em diferentes partes da aplicação.O tamanho mínimo utilizado para textos principais foi de 14 px, com 20 px de altura de linha, assegurando que mesmo textos pequenos permanecem legíveis.
O tamanho padrão, mais utilizado na interface, foi de 16 px com 24 px de altura de linha. Para destaques e elementos de maior importância, utilizei 18 px (altura de linha de 26 px) e 20 px (altura de linha de 28 px). Estas proporções ajudam a manter o texto fácil de ler em frases longas, campos de preenchimento, parágrafos e botões, promovendo uma experiência mais acessível e agradável para todos os utilizadores.

 

Aumento de letra: Entre os recursos de acessibilidade disponíveis na aplicação, incluí a opção de aumentar o tamanho da letra. Na página inicial, é possível ver esse recurso em ação, o texto aumenta 120% em relação ao tamanho original, facilitando a leitura para pessoas com baixa visão ou dificuldades visuais temporárias. Esta funcionalidade permite uma adaptação rápida e intuitiva, tornando o conteúdo mais legível sem comprometer o design ou a navegação da interface.

Cores

As tonalidades escolhidas para o SOS Desaparecidos foram definidas com base em princípios de acessibilidade visual, garantindo níveis adequados de contraste que facilitam a leitura e a perceção dos conteúdos por todas as pessoas, incluindo aquelas com limitações visuais.
De acordo com a psicologia das cores, o azul é frequentemente associado a confiança, segurança e credibilidade, valores fundamentais para uma aplicação social que lida com situações delicadas e emocionalmente sensíveis. Assim, foi escolhido um tom de azul escuro (#143A66) como cor principal da marca, por transmitir seriedade, estabilidade e fiabilidade, reforçando a empatia e o sentido de cuidado que o projeto procura oferecer às famílias e cuidadores.

Contraste

Tendo em conta as Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdos Web (WCAG), procurei seguir os critérios relacionados ao contraste entre texto e fundo, garantindo uma leitura clara e acessível para todos os utilizadores.

 

  • Critério 1.4.3 — Contraste mínimo [AA]:
    O texto deve ter uma relação de contraste de, pelo menos, 4.5:1 entre o primeiro e o segundo plano.Para textos maiores (com tamanho mínimo de 18pt ou 14pt em negrito), o contraste pode ser de 3:1.
  • Critério 1.4.6 — Contraste melhorado [AAA]:
    Recomenda-se um contraste mínimo de 7:1 entre texto e fundo, ou 4.5:1 no caso de textos maiores (18pt) ou em negrito (14pt bold).
  • Critério 1.4.11 — Contraste não textual [AA]:
    Elementos de interface, como botões, ícones ou imagens essenciais à compreensão do conteúdo, devem ter contraste mínimo de 3:1 entre o elemento e o fundo.
 

Com base nestes critérios, utilizei as ferramentas Color.review e Contrast Checker para validar e ajustar as tonalidades aplicadas na interface do SOS Desaparecidos, assegurando que todas cumprem os requisitos de acessibilidade e legibilidade recomendados pelas normas WCAG 2.1.

Modo de contraste de cores: Nos recursos assistivos, incluí também o modo de contraste de cores, que permite alternar entre duas opções principais: modo escuro e modo claro.
No modo escuro, a página inicial que é utilizada como exemplo para testar o recurso, apresenta um fundo preto, com tons claros nas letras e nos botões, reduzindo o cansaço visual e facilitando a leitura em ambientes com pouca luz.
Já no modo claro, o fundo é branco, com textos e botões em tons escuros, garantindo o contraste ideal para quem prefere uma visualização mais tradicional.
Ambas as opções foram pensadas para atender diferentes tipos de visão e preferências de leitura, promovendo uma experiência mais acessível, confortável e inclusiva.

Nos recursos assistivos, incluí também o modo daltónico, que permite alternar entre os três tipos principais de daltonismo:

 

  • Deuteranopia – dificuldade em distinguir tons de verde;
  • Protanopia – dificuldade em diferenciar tons de vermelho;
  • Tritanopia – dificuldade em perceber tons de azul e amarelo.
 

Na página inicial, é possível visualizar o efeito de cada um desses modos, criados com o auxílio da ferramenta Color Blind, que permite simular como as cores são vistas por pessoas com diferentes tipos de daltonismo. O recurso foi incluído para promover uma experiência visual mais inclusiva, ajudando pessoas com daltonismo a compreender melhor as informações e elementos visuais da aplicação.

  • Leitura em voz alta e compatibilidade com leitores de ecrã: Embora não seja possível demonstrar no protótipo, a aplicação inclui funcionalidades como modo de leitura em voz alta e compatibilidade com leitores de ecrã. Estas funcionalidades foram pensadas para garantir que a aplicação ofereça recursos básicos de acessibilidade, permitindo que pessoas com dificuldades visuais ou outras limitações sensoriais consigam interagir com o SOS Desaparecidos de forma mais independente e eficiente.
  • Tradutora virtual em Língua Gestual Portuguesa: Por fim, apresento a Rita, a tradutora virtual em Língua Gestual Portuguesa, criada para tornar o conteúdo acessível a pessoas com deficiência auditiva. No protótipo, é possível testar o funcionamento de forma ilustrativa na página inicial. O ícone da tradutora mantém uma margem mínima de 32px em relação à borda do ecrã e aos textos, garantindo legibilidade e conforto visual. A Rita foi inspirada em Hand Talk, uma empresa brasileira de referência em acessibilidade digital, cujos recursos são amplamente utilizados em sites de instituições. O objetivo é que pessoas com surdez ou deficiência auditiva consigam acompanhar e compreender o conteúdo da aplicação de forma completa e independente.

Protótipo em alta fidelidade

No figma está o protótipo navegável com todas as funcionalidades e recursos assistivos pensados desde o início da concepção. Fiz uma análise heurística para revisar os princípios de usabilidade, acessibilidade e design inclusivo aplicados no protótipo.

Impacto esperado

  • Reduzir o tempo de resposta.
  • Facilitar o trabalho comunitário em tempo real.
  • Incluir quem mais precisa (idosos, pessoas com limitações).
  • Servir como ponte entre cidadãos e autoridades (sem competir com elas).

Métricas esperadas

Como o projeto ainda é conceptual, estas métricas indicam o que esperamos alcançar quando a aplicação estiver a ser utilizada na prática:

 

  • Usabilidade (SUS – System Usability Scale): pretende-se que a aplicação seja fácil e agradável de usar, com uma pontuação estimada acima de 80, considerada boa.
  • Esforço do utilizador (CES – Customer Effort Score): mede quão simples é completar tarefas, como registar um desaparecimento. O objetivo é um valor médio de 2 (numa escala de 1 a 5), ou seja, baixo esforço.
  • Impacto emocional (NES – Net Emotional Score): avalia como a experiência faz sentir o utilizador. Espera-se um resultado positivo acima de 60%, transmitindo segurança e conforto.
  • Tempo de alerta: o envio de um alerta de desaparecimento deverá ser rápido, em cerca de 1 minuto.

Reflexão final

O SOS Desaparecidos é mais do que uma aplicação, é uma rede de cuidado, empatia e ação. Uma ponte entre quem procura e quem pode ajudar, porque ninguém deveria desaparecer num silêncio digital.
Com este projeto aprendi que design não é apenas resolver problemas; é cuidar de quem está no meio deles.
E se fosse alguém da sua família? O design pode e deve ajudar a criar caminhos de volta, incluindo todas as pessoas, para que possam aceder a recursos que realmente lhes façam diferença.

Próximos passos

  • Testes com usuários reais (idosos, familiares, cuidadores).
  • Iteração baseada no feedback.
  • Desenvolvimento técnico e parcerias (ex.: farmácias, autoridades locais).
  • Estratégia de lançamento e divulgação.
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